Resiliência: construindo a capacidade de enfrentamento
A jornada da vida, desde sua “aurora” até seu último instante, traz permanentes atravessamentos e desafios. O próprio processo de desenvolvimento da criança e do adolescente, e o viver adulto, envolvem muitos ganhos e várias perdas. Sem falar das inúmeras vezes em que somos confrontados com situações potencialmente traumáticas, como as que temos vivido durante os tempos de pandemia com todas as reverberações envolvidas.
Para lidarmos com as experiências, necessitamos ao longo da vida construir instrumentos para enfrentarmos as várias situações difíceis que a vida nos confronta.
Resiliência psicológica pode ser considerada uma capacidade de enfrentamento bem-sucedido que sobrevém às situações traumáticas ou às condições muito difíceis. Vale ressaltar que essa construção implica em um processo permanente e deve ser germinada no início da vida. Principalmente a partir das relações de qualidade que se estabelecem com quem cuida da criança, nas quais a confiança possa ser ingrediente básico, tecidas junto a um apego seguro, que ajudará a criança a construir uma boa autoestima, uma capacidade de confiar em si mesma e ter esperança quando algo não vai bem.
Ao dispensarmos cuidados ao bebê, estamos o auxiliando na construção de instrumentos fundamentais, para gradativamente ele poder lidar com afetos de qualidades distintas. Poder tolerar momentos difíceis no início da vida e ser ajudado nessa tarefa cria condições para lidar com a vida.
E se essa potencialidade de “enfrentar tormentas” e depois poder reagir saudavelmente não foi facilitada na infância? Alguém que funcione como um farol no mar escuro poderá ajudar nessa navegação, mas não podemos esquecer que a capacidade de construir possibilidades e instrumentos para enfrentarmos algo difícil está diretamente ligada à capacidade de elaborarmos psiquicamente os impactos, perdas e separações aos quais estamos permanentemente sujeitos.
Podemos querer fazer desaparecer algo que dói e nos faz sofrer. Apesar de muitas vezes essa opção trazer certo alívio momentâneo, não costuma ser um bom negócio a médio e longo prazos. Se usarmos esse mecanismo repetidas vezes, podemos nos afastar cada vez mais das nossas reais emoções e a de nossos filhos, não as legitimando, dificultando e muitas vezes criando obstáculos para o reconhecimento delas, tornando muito difícil um caminho de enfrentamento.
Um exemplo útil ocorre quando uma criança cai ou um adolescente briga com sua namorada e dizemos algo como: “Não foi nada!”. Não acolhemos dentro de nós mesmos e ajudamos a criar um espaço para o que está sendo experimentado e está doendo no outro. Ao reagirmos como se nada tivesse acontecido não estamos ajudando a construir capacidades para encontrar caminhos genuínos. Colocar a “poeira debaixo do tapete”, acaba por passar uma mensagem que emoções e sentimentos são uma bobagem e que não devemos nos dedicar a eles.
Quanto mais deixamos as experiências intocáveis, negando ou evitando senti-las, mais suas forças originais são conservadas, sem a possibilidade de transformar a dor em crescimento.
Apesar de difícil, o contato com nossas emoções e interioridade pode fornecer uma possibilidade de suportar os afetos desagradáveis: poder compartilhar as emoções com um outro pode fazer a diferença no entendimento das próprias emoções e na descoberta de saídas dos afetos não agradáveis. Uma das coisas mais importantes para o ser humano é ser escutado verdadeiramente e ser refletido pelo outro, mesmo que em alguns momentos essa imagem refletida seja a de dor.
Espaços solitários podem ser importantes para entrar em contato com nosso interior, mas também encontrar no outro um espaço de escuta e acolhimento verdadeiro, no qual haja uma troca fértil, pode ajudar a construir sementes de boas capacidades resilientes, nos servindo de farol em momentos de mar escuro e de tormenta.
Fonte: Núcleo de Estudos da Depressão entre Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo